sexta-feira, maio 11, 2007

Resenha de Império - UFF

Pós- graduação Lato Sensu em História do Brasil

Maurício de Oliveira

Turma 2007

Módulo Império

PIÑEIRO, Théo Lobarinhas – Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos anos da escravidão na província do Rio de Janeiro, Passo Fundo, UPF, 2002.

A Resistência escrava no Brasil Império

Maurício de Oliveira

PIÑEIRO, Théo Lobarinhas – Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos anos da escravidão na província do Rio de Janeiro/ Théo Lobarinhas Piñeiro – Passo Fundo: UPF, 2002. 168 pág. (Malungo:2)

Théo Lobarinhas Piñeiro faz parte da nova e talentosa safra de grandes historiadores surgidos no encalço da abertura política brasileira. É contemporâneo de mudanças singulares que varreram o Mundo, e em particular o Brasil, com movimentos populares ímpares e uma constante transformação democrática. Pertence à Direção da Associação Brasileira de Pesquisas em História Econômica e atualmente é professor adjunto na conceituada Universidade Federal Fluminense, onde fez sua graduação (1982), defendeu sua tese de mestrado (1989), e doutorado em história (2002), possuindo vasto conhecimento e experiência nesta área, com ênfase em História do Brasil.

Crise e resistência no escravismo colonial, que fora sua tese de mestrado, foi publicado muitos anos após sua defesa – 13 anos - , e como o próprio apresentador de sua obra – Mário Maestri – diz: “como os homens, os livros envelhecem, contudo, não fora o caso deste”. Todavia, talvez a inspiração para a pesquisa e desenvolvimento de tal tese, tenha surgido diante de percepção do movimento popular e clima existente em sua época – como as diretas já, o Plano Cruzado, o descontentamento com inúmeras greves e passeatas, a hiper-inflação, e a própria aproximação com o clima eleitoral para presidente após o período ditatorial. Talvez Théo tenha feito uma conexão do movimento popular que ora tivesse tido acesso ou presenciara, com a luta e resistência do cativo na busca de sua liberdade, respeitando-se aí as devidas particularidades.

Tal publicação insere-se na historiografia com a intenção de mostrar que os cativos, ao sublevarem-se e resistirem da maneira que lhes era possível, também contribuíram para pressionar pelo fim do escravismo. E que não foram, como contumasmente são mencionados, meros e simples expectadores dos acontecimentos históricos. Para tanto, Théo busca traçar uma linha de pensamento pautado na importância da luta e resistência dos trabalhadores escravizados levando em consideração não à subtração de qualquer participação ou importância para o fim do escravismo, mas sobretudo insere o movimento de resistência no contexto histórico ao lado de outros fatores que comumente são retratados como relevantes, quando se deseja compreender a extinção do trabalho escravo em uma sociedade em ebulição, como a brasileira.

Crise e resistência do escravismo colonial, retrata os acontecimentos percebidos na última década antes do fim da escravidão, tomando como exemplo alguns municípios do então rico Vale do Paraíba Fluminense, em especial os de Valença e Vassouras. Fazendo um recorte e expondo-os como o que talvez também tivesse ocorrido no imenso Brasil rural da época.

Nas primeiras partes da obra ficam claros os ambientes, regiões e épocas que serviram como focos do estudo, todavia, o título estampado na capa poderia induzir a uma abordagem mais ampla, como por exemplo às turbulências e particularidades no Recôncavo Baiano, assim como na diversa região mineradora das Minas, ou os movimentos pernambucanos, como também em inúmeros outros locais importantes em que a resistência à escravidão sempre existira. Entretanto, a abordagem das formas e maneiras que os subjugados se utilizavam, como as fugas e rebeliões, facilmente poderiam ser abordadas em quaisquer desses contextos. Vale lembrar apenas as particularidades das regiões cafeeiras.

No decorrer do debate sobre o fim da escravidão, assim como na desmistificação da Lei de 13 de maio de 1888, nos desdobramentos do processo gradual do escravismo, no movimento abolicionista, além dos problemas enfrentados pela Coroa em manter a unidade e a ordem, Théo busca contextualizar os movimentos de resistência, sugerindo uma releitura sobre a relação luta escrava versus fim da escravidão, pois a crise do escravismo seria estrutural, considerando que na organização e dinâmica da produção escravista estariam intrínseco elementos que explicariam a sua própria desagregação. Isto em si, justificaria a ênfase nesta outra abordagem, a qual vai de encontro com visões amplamente difundidas, como a de que a abolição da escravatura teria sido um negócio de “brancos”, ou teria ocorrido em função do simples desenvolvimento do capitalismo internacional. Lobarinhas, embora reconheça os desdobramentos do desenvolvimento industrial e capitalista, o contexto histórico internacional, e inúmeros outros fatores, lembra que mesmo em obras que sugerem análises e sugestões no sentido de entender a superação do escravismo colonial como fenômeno estrutural, estes em quase sua totalidade, deixam de considerar o papel do cativo nesse processo.

Théo Lobarinhas Piñeiro cita vários autores que fizeram da presença negra em nossa sociedade uma vertente em seus estudos, dentre os quais Emília Viotti, José Murilo de Carvalho, Mário Maestri, Gorender e Ciro Garcia, estes últimos lembrados marcadamente nesta obra. Porém, todos, assim como inúmeros outros autores, também lembram em suas obras sobre a História do Brasil, a manutenção da escravidão como um dos pontos centrais que tenderiam em favor da escolha pelo “modelo” de império que se desejava e sua sustentação. Ou seja, a perpetuação da escravidão era mais do que uma opção, quem sabe o único caminho para manutenção da “ordem”. Diante disso, torna-se incontestável o estudo da escravidão para se compreender os movimentos ocorridos durante o Império Brasileiro. Suas revoltas, o custo de manutenção de tal sistema, a “opção pela extinção” de modo brando da escravatura e até a sua “ruptura” através da Lei de 13 de maio.

A Lei do Ventre Livre em 1871, teria sido a opção encontrada para o desenlace lento, gradual e seguro da escravidão, inclusive com eventual indenização pela perda do escravo – que não ocorreu -, que aliás em muitos casos era o principal ativo de muitos fazendeiros. Pois diante da crise que se arrastara desde o fim do tráfico negreiro, ou segundo outra ótica muito antes da nossa independência, poderia culminar em algo aterrorizador para a sociedade escravocrata e tão hierarquizada da época, pois se deveria agir sobremaneira para que as mudanças – que eram inevitáveis – não viessem através de qualquer movimento revolucionário, ou quem sabe uma própria guerra civil, pois o pesadelo haitiano, por mais longe que tenha sido, e distante da realidade brasileira, fora real.

Lobarinhas reconhece que a abordagem do tema em foco apresenta certos empecilhos quanto á obtenção e crítica de dados. Pois usa como fontes para sua sustentação os jornais da época, pouco pelo dizem e mais pelo que tentam omitir, relatórios de presidentes da província do Rio de Janeiro, chefes de polícia, inventários das fazendas, registros de cartórios, assim como outros pesquisados no Arquivo Nacional. Lembra que em muitos casos as documentações disponíveis foram produzidas por proprietários de escravos ou grupos a eles ligados, e cita a necessidade de compreender como se dava a sociedade escravocrata altamente explosiva de então, com suas dinâmicas, modo de produção, leis e tendências. Faz um esboço da “empresa escravocrata”, a dependência de uma mão-de-obra cativa, um pequeno histórico da oscilação do preço do produto a ser exportado (que nesse caso era o café), o preço pego ao fazendeiro e no porto, a dependência do mercado externo, a busca de rentabilidade da fazenda escravista e o custo da mão-de-obra. Contudo, o uso de inúmeras tabelas e quadros como anexos são muito menos explorados do que se estivessem sendo decodificados e discutidos no meio dos textos, pois dificultam um pouco a visualização imediata, mas são uma fonte mais do que importantes.

Théo analisa qual é o papel da resistência escrava como elemento também estrutural, que tendeu a acelerar o processo crítico e como influenciara nas relações de reprodução escravista. Consegue retratar com uma proximidade satisfatória, um mundo rural altamente sintonizado com o urbano, no qual estão presentes os movimentos abolicionistas, a preocupação dos senhores escravistas e dos demais libertos com a iminência do fim da escravidão, os relatos e receios das forças públicas e particulares responsáveis pela segurança, o número exorbitantemente desordenado de alforrias, e a preocupação crescente que faziam suscitar os temores e o pânico. Enfim, consegue demonstrar, reconstruindo e nos transportando, o clima existente na região cafeeira do Vale do Paraíba Fluminense, principalmente nos últimos momentos que antecedem a assinatura da Lei Áurea.

Crise e resistência no escravismo colonial nos leva a concluir que a questão da resistência escrava encontra certo respaldo, no que contribuiu para o fim da escravidão a luta do cativo. Principalmente quando se observa o aumento das alforrias e a qualidade destas, pois colocara em cheque um dos pilares de sustentação do sistema. Não que deseje justificar que o fim do escravismo foi através da luta do escravo, mas trazer à luz de nossos olhos, idéias e pensamentos que nos levem a observar também essa outra linha de pensamento.