domingo, julho 24, 2005

A Lenda do Cisne Dourado


A Lenda do Cisne Dourado

Por Maurício de Oliveira

Era uma vez um pássaro dourado, cujo brilho iluminava e encantava todos os corações que o vissem. Sua plumagem era diferente de uma cor muito rara, mas o que levava os seus admiradores ao delírio era o seu canto inflamado, que transmitia paz, harmonia e alegria.

Quando abria o seu bico, o som quase que divino que saía para o mundo ouvir, fazia com que os outros mortais viajassem no tempo e no espaço, fazendo com que sonhassem e imaginassem somente o lado bom das coisas. Os seus ouvintes tinham noção das mazelas e indiferenças que pairavam em seus subconscientes, além dos problemas que viviam e também das dificuldades e incertezas que enfrentavam. Mas a coragem de vida que aquele cisne transmitia fazia com que as pessoas lembrassem dos momentos felizes que existem em seu dia-a-dia e, com o balanço das suas asas, talvez querendo imitar as nuvens do céu a se movimentarem, conseguia fazê-las enxergar que o mais importante de tudo eram sentir que estavam vivos, e essa era a melhor coisa que podia existir e, por isso deviriam se sentir abençoados.

O seu olhar, ao percorrer sempre as matas e florestas, mares e montanhas, desertos e rochedos cinzas, praias e cachoeiras, e também ao admirar a beleza da noite, com suas estrelas quase sempre ao lado da lua, trazia luz e liberdade aos corações, da mesma forma que a grandeza do céu azul com sol ardente, lembrava o calor que tanto precisávamos e quanto tínhamos a aprender e a viver. Porém, mesmo com seu resplendor, não conseguia agradar a todos. Existiam aqueles que intimamente o admiravam por sua forma e modo de ver o mundo, mas não aceitavam que pudesse ser tão diferente, e até fazendo uso da redundância, não muito igual aos outros.

Seus opositores, então, embrenharam-se nas matas a sua procura, projetando não só encontrá-lo, mas sim a sua prisão, sua captura, para que a “Lenda” deixasse de ser uma ficção, e para que todos pudessem não só admirá-lo, mas também para que servisse de modelo, como um ponto chave, para exames e pesquisas. Muitos saíram a sua caça, movidos por forças ocultas e/ou misteriosas, as quais impunham vontades extremas, algumas com tom sarcástico, lutaram sem descanso. Até que num certo dia, não tendo mais como suportar o quase que intransponível cerco armado com vistas à sua prisão, resolveu se entregar. Por instantes sentiu-se como água, tão acostumada com a imensidão dos rios e mares, que a “gaiola” fazia-o lembrar da limitação que porventura aquelas paredes o ofereciam, por isso sentiu-se sufocado.

O canto de suas colegas cigarras passou a ser diferente e o entardecer começou a ter outro sentido. E como alguma vez imaginou que seria, após o seu aprisionamento, o mundo passou a ter outro significado. Não conseguia mais ouvir o som deslumbrante que saía de seu bico, e passou a escutar/rastrear outros sons. O confinamento levou-o a analisar muitos outros fartos de que antes não se dava conta.

E por razão desconhecida ou, incompreendida, nem mesmo o mar com seu gigantismo e profundidade estonteante, fazia-o sonhar mais. O prazer que sentia em inflar seus pulmões e cantar teve que ser dividido com outras sensações e sentimentos. E desde então a pureza que habitava em seus atos e atitudes, e a beleza do cisne com seus brilhantes olhos, não foram mais os mesmos. Seu mundo fora reduzido, e a imensidão que suas asas alcançavam não eram mais tão admiradas, e muito menos deslumbrantes. O toque mágico que conseguia dar a pequenas coisas não surtia mais efeito, e num dado momento, percebera a falta que faziam para ele as pessoas e lugares que amava, e como em várias ocasiões, se sentia vazio com a ausência das pessoas, porque elas é que faziam com que se sentisse importante, enxergava o seu valor nelas e em tudo que construía para tê-las. E como numa correnteza incontrolável, viu-se inerte, e sem forças para lutar, pois no abismo em que seu coração se encontrava, com certeza não forneceria resistência alguma às investidas de qualquer força ou oponente.

O cisne que sempre temeu a solidão e o esquecimento, passou a notar a frutificação de outras idéias em sua mente, e não tendo mais noção do que acontecera consigo, se era bom ou ruim, notou que por mais que sonhasse, que descobrisse coisas novas, que se dedicasse e que fizesse, continuaria sendo um Cisne, e não conseguiria mudar os fatos, não poderia modificar o Mundo. Notou que por mais bravo e corajoso que pudesse ser, por mais honrado, honesto e justo que conseguisse, e por mais audaz e ousado que fosse, não modificaria as coisas já existentes, não poderia mudar a História, e muito menos comandar os sentimentos dos outros. Viu-se numa situação extremamente nova e diferente por si só, a qual motivou-o a lutar contra si mesmo, gladiando com seu próprio Eu e conseqüentemente dividindo sua energia, sua atenção, seu raciocínio. Tudo por que se deixara capturar, tudo porque o Mundo não se modificou em quase nada, mas sim Ele, o Pássaro Dourado, que se viu forçado a se adaptar às novas situações.

Momentos turbulentos se seguiram após o se “conflito interno” e como algo mais que normal neste crítico momento, houve muitas descobertas, incertezas, tristezas e alegrias, e seus prazeres nunca mais foram os mesmos.

Houve instantes em que nem mesmo podia ouvir a voz que vinha de dentro do seu coração, a qual encontrava-se impressionantemente forte, e teimava em subjugar a própria razão. Pois como raízes profundas encravadas em suas veias, os sentimentos muitas vezes extrapolam a capacidade de compreensão.

A ave, outrora encantadora, passou a lembrar-se de sua infância, desde longínquas imagens retorcidas de seus primeiros anos, até o início de sua vida pensante, recordara de seus queridos momentos e até de outros mais atuais, saboreava o prazer de tudo que vivera até ali, pois sabia que aqueles momentos, muitos mágicos e maravilhosos, quase que indescritíveis, se foram para nunca mais voltar, poderiam sim, surgir, mais não com a mesma intensidade, não com a mesma magia, não com o mesmo sentido e significado.

Ele (o Cisne) passou a clamar por liberdade, mas o que seria ela senão poder amar a vida, mais do que o próprio coração jamais imaginou antes.

Lembrou da necessidade que tinha de abraçar o Mundo com suas vibrantes asas (imaginava poder fazer isso), todavia não que fosse essencial para os outros, mas sim era a forma dele se sentir vivo, ativo e importante para consigo mesmo. Assim se sentia parte do Mundo e do Universo, como as estrelas brilhantes que enchem de luz o nosso céu. Pois sabia que tinha a sua tarefa, o seu papel a cumprir.

Queria se sentir imenso como os oceanos, mas não para dividir os seres ou afastar suas culturas, mas sim para servir de porta, de corredor para aproximar as criaturas. Queria ser as ondas das praias, para encher de beleza todos os olhos que se deparassem com suas formas. Queria ser as nascentes das magníficas montanhas, para poder dar mais prazer e suavidade aos aventureiros que ali chegassem. Ele queria ser a brisa envolvente, aquela cujo vento suave e sereno sopra nas cascatas, nos rios e nos mares, nas matas e nas florestas, nos rostos de nossas amadas com seus olhares cintilantes e também no calvário de nossas cidades. Queria ser as cores do arco-íris, para numa ocasião ou outra, enfeitar mais o nosso céu. Queria ser o próprio ar, para o qual não existe barreira. Certa ocasião, num momento extremo de delírio, desejou virar um Ser “frio”, sem sentimentos, para não entrar em conflito consigo mesmo, não mais imaginar ou lembrar das tribos hostis que muitas vezes o incriminavam, o cercavam, o diminuíam, vulgarizaram sua imagem, sucumbiam a sua beleza e agrediam seus pensamentos.

Mas também imaginou muitas e muitas vezes se transformar na parte mais emotiva de todos, ou ao menos o que se considera como sendo, pois desejou ser o próprio coração, só para se deliciar e sentir o que realmente é o amor. Queria sentir o que é essa coisa sublime que o faz bater mais forte, e em algumas ocasiões querer sair do peito. Que ao mesmo instante é abstrata e maravilhosa, que todos sabem que existe, mas não podem tocar, pura e simplesmente, e sim apenas sentir. Queria sentir o gosto do que não se pode pesar ou medir, do que não se pode qualificar como sendo melhor ou coisa parecida. Queria poder apreciar todas as emoções e sentidos, todas as maneiras e formas, todas as visões e delírios. Enfim queria perceber em suas cavidades esse sentimento profundo que devassa e destrona qualquer SER. Talvez assim compreendesse melhor muitas reações dos mortais mas... Voltou à realidade nua e crua em que se encontrara a sua existência. Era um cisne, perdera seu encanto e sua magia, tornara-se uma simples ave, e com isso deixara de ser especial. Tornara-se refém de suas próprias histórias e lembranças, do seu apogeu e declínio, de suas realizações e também de suas frustrações, de seus acertos e de suas falhas e erros, de suas descobertas e de seus esquecimentos. Transformara-se em um prisioneiro de sua própria consciência.

Meses e mais meses passaram-se, sem ele sentir ao menos as emoções que alimentavam a sua alma, passara a viver outras em cativeiro, mas não eram tão sublimes. Em certas ocasiões poderiam até ser encantadoras, mas faltavam a espontaneidade e até uma modesta simplicidade, não a material, mas sim a emocional.

[...]

De repente um raio de luz fura o bloqueio noturno...

- É mais uma manhã! Pensa o então esquecido, porém amado, Cisne.

Mais não são luzes comuns, pois a cor era de uma tonalidade diferente, e o nosso estimado e querido flutuante, percebe que algo está mudando, pois passara a enxergar coisas como antes.

Após o sétimo dia se passar, e ver a escuridão dominar todo o horizonte, tornando noite o que antes o sol iluminava, ele adormeceu como há tempos não fazia, uma paz interior tomou conta de sua aflição e passara a inundar seus pensamentos. E mesmo dormindo, podia ser visto em sua face um sorriso, seu semblante mudara e sua fisionomia ficou revigorada.

Estava sonhando!

Não sabia mais o que era isso. Perdera esse dom, e estava sendo abençoado naquela noite. Em seu sono não conseguia enxergar nitidamente as imagens, eram turvas, mas existia uma voz meiga e amiga que pronunciava com uma suavidade, palavras bonitas e mensagens que há meses (que pareciam milênios) não ouvia, e num dos pensamentos dizia:

“Esperar uma solução dói,

mas voltar a ser quem você era dói também.

Porém, esquecer quem você é, e suas raízes, dói mais ainda.

Mas não saber que decisão tomar,

É o pior dos sofrimentos “.

[...]

E como num conto de fadas, em que os mocinhos passam por privações, sofrem humilhações, derramam lágrimas, e muitos são esquecidos pelo seu próprio egoísmo. Essas vozes e mensagens abriram o seu coração, e o fizeram sonhar novamente, e a bondade que antes reinava em seus atos, tornou-o mais uma vez alegre.

Na noite seguinte, em seu sono tranqüilo, ouviu outras palavras , as quais o lembravam que ele ainda estava vivo e que ainda existia tempo para fazer qualquer coisa que desejava. Recordara de outras mensagens que ouvira:

“Muitos dos verdadeiros vencedores, cometeram incontáveis erros, contudo muitas das vezes são apenas lembrados por suas vitórias. Inúmeros se perguntam o que realmente fazem aqui, dentre tantas e tantas pessoas comuns. Onde nem sempre as pessoas conseguem enxergar seus verdadeiros valores e bondades”.

Então a partir da manhã seguinte, o Cisne Dourado sentiu-se mais vivo e mais importante. Passou a lembrar que fazia as pessoas sorrirem e a também sonharem e decidiu tomar novamente o controle de sua própria vida.

Para não levantar suspeitas, manteve-se cômodo e submisso com toda e qualquer ofensa. Teve que engolir respostas e situações que nunca imaginara antes. Tudo para que não descobrissem que já havia recobrado parte de seus pensamentos, que estava conseguindo ver novamente o brilho em seus olhos e no de outros seres, e o mais importante de tudo, estava voltando a cantar e com isso, poderia levar novamente os mortais a sonharem.

Ele já conseguia voar e a sonhar, porém comprometeu-se consigo mesmo a esperar o momento oportuno para poder bater suas asas novamente, sentir o calor do sol por dentre as suas penas, a leveza do ar em sua face, a imensidão dos mares diante dos seus olhos, a emoção de seus colegas pássaros brincando entre os céus, testemunhar a força do encontro das águas, e principalmente sentir a liberdade soprando em seu peito e o fazendo de novo inteiro e feliz.

Em sua mente, fazia planos para voltar à querida e estimada floresta, viver na companhia de todos os seus amados, e compartilhar a sua felicidade com os seus queridos. Porém a sua volta não seria tão fácil, ou melhor, dizendo, a sua adaptação talvez fosse complicada, e com isso seria um alvo fácil para a captura novamente.

Refez suas estratégias com o apoio, a compreensão e o amor (que o tempo não conseguiu apagar) de uma semelhante – a qual adquirira seus poderes devido à convivência com o bondoso Cisne – a qual contando com habilidades que aprendera com o passar dos anos, abriu um novo horizonte para suas vidas. E lembrou do velho desejo de peregrinarem para o NORTE , para onde as aves tem que ir, ao menos uma vez em suas vidas terrenas (como num ritual milenar, para se purificarem) .

[...]

Passadas mais algumas semanas...

Quando não mais que de repente, explode em seu coração à vontade de cantar e de voar. E o som encantador que saiu de sua garganta, soou pelos quatro cantos como nunca anteriormente, varando as paredes que o aprisionavam. E uma força sobrenatural surge em seu bico e suas asas, e ele consegue quebrar o encanto e com isso, rompe as grades e arames que o prendiam. Sua liberdade fora conquistada com suor, sangue e lágrimas, por isso batia suas asas com alegria e vontade. Mexia-as como aprendera e que há tempos não pudera, parecendo dançar um balé em pleno ar, de tão feliz. Inflava seus pulmões e cantava novamente, para todos os que pudessem ouvir se admirassem, pois aquilo era belo e magnífico.

O Cisne Dourado (como muitos conheciam aquele pássaro) reconhecia que havia cometido muitos erros e tido outras falhas, muitas guiadas por sua própria vontade. Mas aprendera tantas lições, muitas até sem querer, que o fez amar mais a vida, que todo e qualquer momento que vivesse em diante, tentaria realizar seus sonhos, mergulharia em suas fantasias e delírios, ouviria suas emoções e principalmente iria ter com o seu amor muitos herdeiros, para que dessem continuidade à LENDA DOS SERES ENCANTADOS.

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